Entenda os padrões de diversidade de acordo com a variação de altitude

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Equipe OAMa

28/09/2021

Escrito por: Michelle Noronha Baptista

Revisão de conteúdo: Affonso Souza e Luiza Figueira

Edição: Felipe van Deursen

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No início do século 19, o explorador alemão Alexander von Humboldt viajou com o botânico francês Aimé Bonpland pelas Américas Central e do Sul com o objetivo de explorar as montanhas da região. Quando voltaram para a Europa, publicaram uma série de livros que ficou conhecida, mais tarde, como “Ensaio sobre a Geografia das Plantas”. A obra documentou a temperatura, altitude, umidade, pressão atmosférica e as plantas e animais encontrados em cada elevação do Monte Chimborazo, no Equador. Foi um dos primeiros trabalhos que buscaram encontrar padrões de distribuição em gradientes altitudinais, ou seja, variação de biodiversidade conforme a altitude aumenta ou diminui (von Humboldt & Bonpland, 2010).

Pico das Agulhas Negras

Maciço do Pico das Agulhas Negras, 2791 metros, em meio a vegetação dos Campos de altitude do Parque Nacional do Itatiaia. Imagem: Ian Martes

Mas por que esse interesse em estudar regiões montanhosas?

Em montanhas, o ambiente muda rápido e em um curto espaço geográfico à medida em que se aumenta a altitude. Por isso, estudar padrões ao longo de um gradiente altitudinal nos ajuda a entender como os seres se relacionam com o ambiente e o clima, como se as montanhas fossem um grande laboratório. Além disso, montanhas e biodiversidade estão intimamente ligadas: são regiões que abrigam elevadas taxas de riqueza e endemismo de espécies, quer dizer, espécies que só existem nesses lugares. Montanhas são “berços” de diversidade (Perrigo et al., 2019).

Com o passar do tempo, os estudos relacionados a padrões de diversidade em montanhas ganharam reforço e se tornaram uma das principais áreas de investigação científica. Nesse sentido, as aves têm se mostrado um organismo modelo promissor, já que formam um grupo muito diverso e amplamente estudado em montanhas de todo o mundo.

Um dos pioneiros a estudar padrões de diversidade em gradiente altitudinais com foco em aves foi Frank M. Chapman (Chapman, 1917). Ele descreveu a composição de aves andinas da Colômbia e as separou de acordo com suas “zonas de vida”. Chapman relatou, em seu estudo, que algumas aves estavam confinadas a certos limites, não ocorrendo além deles. Percebeu, então, que a composição das espécies nem sempre era a mesma quando as comparava entre as diferentes “zonas de vida”.

Um dos trabalhos mais importantes sobre o assunto foi o de John Terborgh, que descreveu a composição da avifauna andina do Peru ao longo de um gradiente altitudinal e buscou possíveis explicações para esse fenômeno (Terborgh, 1971). Esses estudos instigaram a comunidade científica: a partir da década de 1990, surgiram diversos estudos sobre o assunto (Fischer et al., 2011).

Zonas de vida em montanhas andinas

Frank M. Chapman foi um ornitólogo estadunidense que explorou os Andes colombianos. Seu trabalho foi publicado em 1917, no Boletim do Museu Americano de História Natural. Chapman dividiu a região explorada em “Zonas de Vida”, de acordo com a altitude, e percebeu que cada uma dessas áreas continha espécies diferentes das demais. Ele comparou suas observações sobre a avifauna com as observações de Wolf (1896) sobre as zonas de vegetação dos Andes equatorianos.

  • Zona Tropical: nível do mar até 1.600 m
  • Zona Subtropical: 1.600 a 3.000 m
  • Zona Temperada: 3.000 a 3.400 m
  • Zona de Páramos: 3.400 a 4.600 m
Esquema com representação de altitudes

Esquema ilustrativo das zonas de vegetação nos Andes equatoriano proposto por Wolf (1896) e republicado por Chapman (1917). 2. Llanos. 3. Florestas Tropical and Subtropical. 4. Região Interadina [ = Zona Temperale]. 5. Região Andina[= Zona Paramo]. 6. Neve perpétua. Fonte: Chapman FM. (1917). The distribution of bird-life in Colombia: a contribution to a biological survey of South America. Bulletin of the American Museum of Natural History. 36, 729 p.

Apesar de existirem muitos estudos sobre os padrões de diversidade e distribuição altitudinal de aves no mundo todo, eles ainda são escassos no Brasil. Cavarzere e Silveira (2012), em um levantamento, encontraram apenas 10 trabalhos que estudaram esses padrões no Brasil, um no Cerrado e nove na Mata Atlântica.

O primeiro estudo sobre os padrões de diversidade em gradientes altitudinais realizado na Mata Atlântica foi conduzido em 1928 pelo estadunidense Ernest G. Holt, na Serra do Itatiaia (Holt, 1928). Quase 70 anos depois, Douglas F. Stotz (1996) compilou uma base de dados com informações apuradas acerca da distribuição altitudinal de aves, incluindo as de Mata Atlântica. Desde então, alguns poucos estudos descrevem os padrões de distribuição altitudinal de aves, mas nenhum deles procurou determinar os fatores responsáveis por esse fenômeno.

O caneleirinho-de-chapéu-preto (Piprites pileata) e a garrincha-chorona (Asthenes moreirae)

O caneleirinho-de-chapéu-preto (Piprites pileata) e a garrincha-chorona (Asthenes moreirae) são duas espécies de aves endêmicas de montanhas da Mata Atlântica brasileira e podem ser encontradas nos Campos de altitude da Serra da Mantiqueira. Imagens: Hector Bottai (P. pileata) e Gustavo Forreque (A. moreirae) – Creative Commons

No geral, padrões de diversidade e riqueza de espécie podem ser causados por uma série de fatores: a localização geográfica, o tamanho e a complexidade da área de estudo, a diversidade de recursos disponíveis, características específicas das espécies, como interagem entre si etc. Em montanhas, fatores ecológicos locais são, normalmente, os determinantes mais importantes na variação de número de espécies ao longo do gradiente altitudinal (Ferreira e Perbiche-Neves, 2021).

Padrões de diversidade para aves

Quatro padrões de distribuição da diversidade em gradientes altitudinais são descritos para aves (McCain, 2009):

  • Declínio monotônico: a diversidade de espécies cai à medida que a altitude aument -
  • Platô horizontal: a diversidade de espécies é constante em menores altitudes e cai com o aumento da altitud -
  • Platô com um pico intermediário: a diversidade de espécies é constante em menores altitudes, cresce nas elevações intermediárias e cai com o aumento da altitud -
  • Unimodal: a diversidade de espécies é maior nas altitudes intermediárias e menor tanto nas mais baixas como nas mais elevadas.

Figura com padrões altitudinais de aves

Gráfico do número de estudos de aves que apresentam os quatro padrões de riqueza no gradiente altitudinal; declínio monotônico; platô horizontal; platô com um pico intermediário; unimodal. (b) comparação da porcentagem de cada padrão de diversidade de aves em estudos na escala local e regional (n= 23 e 55, respectivamente); a frequência de cada padrão de diversidade altitudinal não é significativamente diferente entre as escalas (X2 = 3.03, d.f. = 3, p = 0,387). Fonte: Christy M. McCain, 2009. Global analysis of bird elevational diversity. Global Ecol. Biogeogr. 18, 346–360

O padrão mais comum de distribuição de espécies em montanhas é o monotônico, ou seja, as áreas mais baixas são relativamente mais ricas em número de espécies se comparadas às mais altas (Fernandes, 2016). No entanto, em seu estudo, Carvazere e Silveira (2012) perceberam que na Mata Atlântica as comunidades apresentam diferentes padrões de distribuição. A falta de pesquisas sobre o assunto dificulta muito o entendimento geral sobre esse fenômeno, que ainda permanece com várias lacunas de conhecimento.

Referências

Chapman FM. (1917). The distribution of bird-life in Colombia: a contribution to a biological survey of South America. Bulletin of the American Museum of Natural History. 36, 729 p.

Fischer A, Blaschke M, Bassler C. (2011). Altitudinal gradients in biodiversity research: the state of the art and future perspectives under climate change aspects. Forest ecology, landscape research and conservation. 11, 35-47.

Holt EG. (1928). An ornithological survey of the Serra do Itatiaya, Brazil. Bulletin of the American Museum of Natural History. v.57, article 5.

Perrigo A, Hoorn C, Antonelli A. Why mountains matter for biodiversity. (2020) Journal of Biogeography. 47, 315–325. https://doi.org/10.1111/jbi.13731

Terborgh J. (1971). Distribution on environmental gradients: theory and a preliminary interpretation of distributional patterns in the avifauna of the cordillera vilcabamba, Peru. Ecology. 52 (1), 23–40. https://doi.org/10.2307/1934735.

Stotz DF, Fitzpatrik JW, Parker TA, Moskovits DK. (1996) Neotropical birds: ecology and conservation. Chicago: University of Chicago Press, 481p

Von Humboldt A & Bonpland, A. (2010). Essay on the Geography of Plants. University of Chicago Press.